Pequenas Grandes Mentiras - HBO - Crítica
- Acumulador Literário
- 25 de out. de 2017
- 4 min de leitura

Jornada significativa. Final desconexo.
ATENÇÃO: **SPOILERS**
Inspirada no romance de Liane Moriarty, Pequenas Grandes Mentiras (Big Little Lies, HBO/2017), minissérie original em sete, diga-se de passagem fantásticos, episódios percorre o cotidiano de três mulheres: Madeline, Celeste e Jane.
Jane (Shailene Woodley, de A Culpa é das Estrelas e a série Divergente), é a personagem que após ter uma relação sexual hostil com um parceiro de uma única noite, encontra-se na posição de mãe de um menino, fruto da agressão. Então, em busca de um recomeço, se muda para a comunidade onde Celeste (Nicole Kidman) e Madeline (Reese Witherspoon, de Água para elefantes) residem. Tanto Celeste quanto Madeline aparentam serem mulheres com vidas perfeitas perante seus vizinhos, isto é, bem casadas, realizadas financeiramente e com filhos exemplares. Acontece que esta percepção, logo no primeiro episódio já se desvanece por completa.

Celeste está presa em um casamento destrutivo. Ela e seu marido discutem violentamente com frequência e tentam (sem êxito) esconder das crianças. Quase sempre a discussão acaba em sexo ou em agressão física. Com passar do tempo, os hematomas se tornam parte da rotina de Celeste e ela enxerga nos encontros casuais com suas amigas em um café local uma fuga da realidade em que vive.
Madeline, por outro lado está em um casamento tão saudável que caiu na armadilha da rotina. Por se tratar da personagem mais impetuosa da trama, acaba por se envolver em um caso extraconjugal com um diretor de teatro da comunidade com quem trabalha indiretamente. Aí é que a série toca em um ponto interessante. Mesmo com tudo indo bem, em uma dessas conversas de bar, Celeste conta à Madeline que o sexo entre ela e seu marido é extremamente "ardente" e isso acaba por instigar Madeline a querer algo a mais do seu parceiro, criando um leve sentimento de inveja entre as duas mulheres, dando a impressão de que não importa como a sua vida vai maravilhosamente bem, a grama do vizinho sempre é a mais verde.
Jane, mesmo tendo relances deixando claro o seu trauma com o estupro que sofreu, tem uma relação extremamente tocante com o seu filho e é este o ponto alto da personagem. Quando o menor é acusado de várias atitudes de bullying contra uma outra garotinha da escola local, Jane faz o papel de mãe leoa defensiva, ao mesmo tempo que se questiona internamente se existe um gene violento passado do seu agressor para o seu filho. Será que tal predisposição à violência realmente existe?! As cenas em que ela leva o menor para ser avaliado por uma psicologa infantil e a reação que tem ao receber a notícia se a criança é saudável ou se trata de um jovem psicopata é muito forte. Mostra que Shailene é boa atriz mesmo aceitando papéis duvidosos em sua carreira.
Em um determinado momento da história, Celeste procura a ajuda de uma terapeuta. A atitude que a terapeuta tem em instigar nela a aceitação de que ela está sendo vítima de um abuso tanto físico quanto psicológico e que ela precisa e rápido sair desta zona de perigo parece ser algo muito irreal em um primeiro momento. A imagem, no senso comum das pessoas, é o de que o terapeuta tem que escutar e não intervir ativamente no relacionamento do casal. Daí a aparente falta de veracidade no roteiro. Repito e enfoco, apenas aparente. Logo em seguida, a terapeuta vem com um diálogo em que explica que ela não pode intervir até entender que a vida de sua paciente está em risco. Era exatamente o choque que Celeste precisava para tomar atitudes em relação ao marido abusivo. O passo a passo de Celeste para sair de tal situação, o aluguel de um apartamento, o cuidado com a rotina para que o esposo não perceba nada de incomum, tudo isto retratam uma realidade muito presente na sociedade em que vivemos, onde mulheres são agredidas diariamente por seus parceiros. Neste ponto a série serve quase como um guia para essas vítimas.

O problema é: O final.
Com um assassinato já jogado na cara do espectador desde o primeiro episódio e uma sequencia de depoimentos em flashforward muito interessante dos outros moradores da comunidade sobre a vida alheia, neste caso do trio principal, a série cria um clímax muito competente sobre quem foi morto, quem matou e o que realmente aconteceu.
Porém, o resultado final, depois uma construção tão perfeita é completamente desconexo. A escolha de uma personagem secundária que não foi tão bem trabalhada quanto as principais de ser a responsável pelo homicídio "culposo" não cola. A tal personagem, que eu não falarei o nome para não estragar tanto a surpresa, é uma completa desconhecida do espectador, não havia motivo que justificasse a trama toda ser encerrada por um terceiro. Não sabíamos o passado da personagem nem o que levou ela a ajudar as outras mulheres em um momento de tensão como o final. A impressão que ficou é que ela estava no local certo na hora errada e cumpriu com o seu dever como mulher de ajudar outras mulheres em situações de perigo. Muito forçado.
Seria muito mais interessante ver Celeste, ou Jane dando um ponto final no clímax em questão. Ambas tinham motivos e o psicológico para tomarem as atitudes que foram tomadas.
Com um roteiro impressionante até os últimos 15 minutos do segundo tempo, com atuações impecáveis, a última cena, com todas as personagens mulheres da trama na praia , com seus filhos, felizes umas com as outras, mesmo com todas as diferenças e atritos entre cada uma delas retratada durante cada um dos episódios anteriores é muito desconexo com a proposta que a série apresentou na sua caminhada. Porém, é uma caminhada que não só vale a pena, como deve ser percorrida.
Nota 0-5: 4,5
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